Tema da Semana

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

A Causa

No meio da calçada esburacada, ele caiu. A cabeça ensanguentada atordoava, mas não doía. Pouco a pouco foi perdendo a consciência. O chão próximo aos seus olhos sumia, e outras imagens tomavam seu lugar.
Estava revivendo suas primeiras lembranças, imagens pouco nítidas, que mais pareciam borrões, acompanhados de alguns sons, dentre os quais destacava-se a reconfortante voz materna, que parecia aquecê-lo o tempo todo. Quando conseguiu finalmente visualizar as coisas com clareza, viu-se num parquinho ensolarado, sentado na grama em meio a uma roda de garotos tão pequenos quanto ele - algo em torno dos sete, oito anos. Jogavam bolinhas de gude. É claro que jogavam bolinhas de gude, aquela era sua brincadeira favorita na infância, e algumas das muitas longas horas que gastara fazendo aquilo imprimiram-lhe algumas memórias marcantes na cabeça.
Durante o que pareceu ser bastante tempo em meio aquela viagem ao subconsciente, ele ficou entretido com a brincadeira das bolinhas de gude, que parecia durar pra sempre. Como era divertido tudo aquilo! Como fora boa sua infância! Por que quase nunca havia parado para se lembrar dela?
Contudo, após tanto tempo de deleite, cansou-se. Porque não saía dali? E o resto de sua vida? O que mais haveria para se lembrar?
Nada, a princípio. Um dos garotos da roda fazia sua jogada e levava várias de suas bolinhas. E continuava a brincadeira, sem que ele saísse dali. Começava a desejar intensamente sair daquele lugar, sentia-se preso e sufocado. Mais duas rodadas se passaram e várias de suas bolinhas brilhantes e coloridas foram perdidas. Quando não aguentava mais esperar, gritou: "QUERO SAIR DAQUI, DIABO!".
Naquele momento, o garoro que ficava do outro lado da roda - o responsável pela maior parte de suas perdas no jogo - encarou-o de maneira estranha, e então abriu um sorriso discreto e malicioso enquanto balançava a cabeça em sinal de reprovação. E então as memórias vieram, e pode ver o resto de sua vida.
Lembrou-se primeiro do violão que ganhou assim que cansou-se das bolinhas de gude, mas as visões duraram muito pouco. Mal havia aprendido os primeiros acordes e teve que abandonar as aulas, trocando-as pelos cursos de Inglês, Alemão e pela chata professora particular de matemática. O instrumento de que tanto gostava permanceu intocado para sempre em um armário empoeiradp.
Lembrou-se da primeira namorada, a qual abandonou nos primeiros meses de relacionamento ao viajar para estudar na Europa, num colégio chato, com gente rica e chata, durante dois anos. Tudo pela carreira. Lembrou-se ainda da viajem para os Andes que planejara ansiosamente, mas que foi adiada para nunca mais graças ao trabalho, que atrasava suas férias, e ao curso de especialização no qual entrou, anos depois.
Essas e outras lembranças faziam-no recordar também de um angustiante sentimento que o acompanhara por toda a vida, dando-lhe a impressão de estar sempre esperando as coisas acontecerem, esperando a correria se normalizar, para que houvesse a felicidade plena. Não queria reviver aquilo. Não queria descobrir que, ao morrer, sua vida passaria diante de seus olhos como nos filmes, e tudo que teria de melhor para se lembrar estava ainda na sua infância.
Percerbeu que, durante toda sua vida, mesmo inconscientemente, ele desejara voltar às bolinhas de gude. Desejara com todas as forças. Desejara sem se arrepender durante anos, décadas, até aquela manhã, quando seu desejo fora materializado no céu, e uma das muitas bolinhas de gude que lá haviam caiu sobre sua cabeça. Era irônico terminar assim.

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Bom, tá aí meu post da semana. Espero que gostem! É obviamente ligado ao post do Gam, que é ligado ao da Line, e isso me deu a ideia do próximo tema, que ainda não sei se será oficializado, mas o Jow The Boss gostou. Anyway, eu tentei fazer um poema com a ideia desse texto, mas percebi que seria muito difícil, daí desencanei, e quando fui escrever o texto já tava meio desencanado do entusiasmo inicial, e acho que parte do texto ficou boba e corrida. Ainda quero postar poesias e textos de opinião aqui, mas tudo vai do tema da semana! Obrigado a todos que leram meu post anterior e elogiaram aquela porcaria! ^^

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Enchente

Não havia porque desconfiar daquela nuvem carregada se aproximando. Parecia com uma simples chuva no horizonte. Seria só mais uma tempestade, nada que causasse qualquer estrago.
Ninguém percebeu a tempo que se tratava de uma grande e negra nuvem de bolas de gude. Agora já é tarde demais.

A nuvem chega. De início a luz passando pelas infinitas bolas de gude flutuantes é linda, mas logo são tantas que o Sol é tampado. No escuro, todos assistem o início do pesadelo.
Pequenos projéteis de vidro brilhante descem dos céus trepidando fortemente contra o asfalto. Carros são atingidos como que metralhados por balas de chumbo. O capô amassado compromete os motores, fazendo-os parar de funcionar. Caos. As pessoas que não encontraram abrigo a tempo cedem aos fortes golpes na nuca e caem ensanguentadas no meio da rua. Morte.

Pessoas gritam, crianças choram, senhoras rezam, mas a chuva não para.
Ao invés disso, torna-se mais forte. A tempestade é tão avassaladora que causa pequenas crateras nas calçadas. Os tetos dos carros já não suportam a pressão e rompem, deixando indefesas as pessoas que neles se abrigavam. Pequenos cacos se espalham por todo o canto. O barulho dos inúmeros choques das bolinhas de vidro é ensurdecedor. Uma casa cede e desmorona, esmagando seus habitantes.

Enquanto isso, no centro da cidade, os bueiros não servem para deixar passar as bolinhas. Começa uma tenebrosa enchente. Rios de bolas de gude descem pelas ruas atropelando homens, mulheres e crianças sem piedade. Vans inteiras são engolfadas pela enchurrada. Ônibus atolam, deixando seus passageiros condenados.

Após uma hora de um sádico fenômeno que mais pareceu um castigo divino, a tempestade vai embora. A nuvem carregada de sede de destruição vai para outra cidade, tornar do avesso a vida de outras pessoas.
Pela primeira mas não última vez, os sobreviventes presenciaram um inferno de brinquedos. Juntos.
















De todas as coisas que a vida tem a oferecer, Livre já não gosta de bolas de gude.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Chuva

As pessoas pararam. Por um breve momento durante o dia as pessoas apenas observaram o céu. Observaram as estranhas e curiosas bolinhas reluzentes saiando dentre as nuvens e abraçando o chão.
Ninguém reparou quando aquele estranho fenômeno começou. Ninguém queria saber. O que todos queriam, mais que qualquer coisa naquele momento, era tocar as pequenas bolinhas coloridas que refletiam a luz do Sol de forma tão espetacular em sua trajetória.
Uma delas chegou aos pés de um garoto. Ele abriu um largo sorriso maroto para a namorada ao seu lado e se agachou para pegar a bolinha. Se ergueu ainda sorrindo e a entregou para a menina.
Aquele foi o início; o primeiro movimento frente às bolinhas e o que despertou as outras pessoas. Todos se puseram a agarrar bolinhas, fossem as do chão, fossem as do ar. Crianças recolhiam dezenas e se uniam para brincar.
As bolinhas de gude não paravam de cair sobre as cabeças das pessoas e elas se divertiam com isso, mesmo que as machucassem de vez em quando. Aquela dor era insignificante perto do deslumbramento das pessoas. Elas ignoravam que aquilo poderia lhes fazer mal, pois estavam felizes. E elas se prenderam a essa sensação durante todo o acontecimento.

Por fim as nuvens se foram, carregando as bolinhas em viagem a outros lugares que precisavam dessa distração. E pela primeira, única e última vez aquelas pessoas assistiram ao pôr-do-sol. Juntas.

Os cabelos ao vento

Bem, primeiramente um oi para os leitores. Gostaria de fazer uma abertura como normalmente gosto, ok que não sou o primeiro a postar mas isso não importa muito, a Liih teve a ideia do tema e eu apenas consegui a imagem e pronto ai estava. Para falar a verdade nunca pensei em escrever sobre isso, mas o ler tais palavras numa conversa no MSN tive milhões e milhões de ideias e tive que escolher apenas uma dentre tantas. Efim é isso, que as bolinhas de gude retomem suas infâncias e que meus companheiros de blog agradem vocês, e que o meu texto não deixe a desejar. Que comece o conto.


Os cabelos ao vento


Era uma manha calma, o sol se levantava e logo estava indicando o horário, 7 horas, aula, era um dos dias da primeira semana, e como um jovem homem estava ansioso para o intervalo, estava com meu saco de bolinhas de gude na mochila, e como sempre iríamos brincar no parquinho, como todos os dias. Todavia hoje era algo mais especial, era sexta e o fim de semana estava ai, ficar em casa e sair na rua as vezes, brincar de pega-a-pega com meus amigos. Enfim o sinal, finalmente, esperei feito louco, queria mostrar as bolinhas novas que tinha conseguido, e lá estávamos todos nós garotos discutindo sobre as mais belas bolinhas de cada um, sempre alguma troca era feita, mas hoje, hoje não, me sentia com sorte, então depois das trocas fizemos o clássico círculo na areia e colocamos aquelas bolinhas que considerávamos ruins.
O jogo ia e vinha, bolinhas eram ganhas e outras perdidas, eu até que estava bem naquele jogo, tinha conseguido algumas bolinhas e isso me deixava muito feliz, era minha vez novamente, peguei uma de minhas novas, achei que me daria sorte, mas antes que eu pudesse fazer qualquer coisa escutei a voz dela, virei minha cara e lá estava ela indo para o lugar de sempre, o balanço. Eu a acompanhei com os olhos, e como sempre ela estava bonita, aquele uniforme realmente ficava bem nela, e de repente me encontrei perdido nos pensamentos, como era doce aquela risada dela e como seus cabelos lisos e negros ficavam belos ao vento enquanto balançava. Quem dera fosse eu a empurrando.
"Cara! vai!" foram essas palavras que me acordaram e sem pensar muito joguei minha bolinha, obviamente errei, minha cabeça estava em outro lugar, a bolinha ficou perto da linhas, bastou um de meus companheiros bater nela e lá se foi, perdida. Bem, tentei recupera-la, mas nada, apenas tive que aceitar esse fato. E com isso o sinal novamente bateu, voltamos a aula. Minha mente estava em apenas duas coisas, a garota que h;a muito tempo pensava e agora minha bolinha.
O final de semana chegou, minha mente parecia mais tranquila, mas não muito, ela morava longe de mim, era uma tortura passar aqueles dois dias seguidos sem vê-la, aquilo me deixava um tanto angustiado para que o final de semana finalmente passasse.
Enfim segunda chegou, estava ansioso pelo intervalo como sempre, vê-la novamente depois de dois dias.
Logo as férias chegaram, e eu ia me mudar de cidade, iria deixar aquele lugar para sempre, deixar o amor da minha vida para trás, o único problema era, eu nunca tinha falado com ela, e eu devia, devia dizer a ela antes de ir embora e nunca mais vê-la. Último dia de aula e iria tentar falar com ela, iria dar um passo que para mim era importante, estava com meus amigos jogando minha última partida de bolinhas de gude lá, e ela apareceu, levantei do círculo mas finalmente percebi, eu tinha uma reputação no grupo, seria chamado de garotinha se fosse até lá, um medo tomou conta do meu corpo que senti novamente, deixando o assunto da minha amada garota do balanço de lado. O assunto que podia mudar minha vida foi deixado de lado.
E logo eu acordava ao lado de minha mulher, numa quinta-feira, indo para o trabalho, fico impressionado como os anos passaram rápido, casei, tenho dois filhos e trabalho num emprego que sempre quis. Tudo ia bem, e essa noite seria boa, happy hour num barzinho com colegas do trabalho, um pouco de diversão. Como sempre, em vários momentos me sentia ansioso para o momento da noite que finalmente chegou.
Bar, cerveja, falar mal do chefe, o usual, sempre um bom tempo para descontrair. Mas algo que eu nunca esperava aconteceu, uma risada que já tinha ouvido em algum lugar, uma risada doce, procurei de onde vinha aquele som e me levou a uma garota de longos cabelos negros, cabelos que simplesmente me lembraram minha infância, sim, ela, a garota do balanço, tantos anos se passaram e lá estava ela, linda como sempre, usando um vestido preto.
Levantei da mesa, pensei em falar com ela, mas as perguntas na minha mesa começaram a surgir, e eu novamente com medo apenas disse que ia ao banheiro, passei perto dela durante o caminho, sentindo o perfume dela, algo que me instigou, eu era casado, o que estava pensando, finalmente segui o caminho até o banheiro onde lavei o rosto. Voltei pelo mesmo caminho e ela não estava mais lá, baixei a cabeça voltei a mesa.

Depois disso, nunca mais a vi, nunca mais